INTRODUÇÃO
Transgênero é toda a pessoa que não possui compatibilidade entre o sexo biológico e a identidade de gênero.
O Conselho Federal de Medicina garante a pessoa transgênero acesso integral especializado a saúde, com o acolhimento psicológico, médico ambulatorial, hormonal e cirúrgico.
Um passo de grande importância para a pessoa trans é a realização do procedimento de redesignação sexual, quando enfim consegue assemelhar o seu corpo a sua identidade de gênero.
A popular “cirurgia de mudança de sexo” envolve uma série de procedimentos, que vão da hormonioterapia até procedimentos cirúrgicos com a retirada de órgãos e colocação de próteses
Uma dúvida que pode surgir na cabeça de quem possui plano de saúde: Afinal, o plano de saúde deve cobrir o procedimento? A resposta é sim.
Ocorre que não rara as vezes consumidores que tentam solicitar a cobertura junto ao plano, se esbarram em negativas das operadoras de saúde, em total dissonância do ordenamento jurídico pátrio.
Embora ainda surjam questionamentos que algumas intervenções se trate de procedimentos estéticos, não sobram dúvidas que a condição do transgênero sem acesso as mudanças que deseja em seu corpo traz muita angústia e prejudica o seu bem-estar, ultrapassando as questões estéticas.
O presente artigo, tem o objetivo de trazer um contraponto, de forma objetiva, ao posicionamento das operadoras de saúde, bem como trazer ao leitor maiores informações sobre um tema de suma importância na sociedade contemporânea.
O PLANO DE SAÚDE É OBRIGADO COBRIR O PROCESSO DE REDESIGNAÇÃO?
Após um certo período em que se muito questionou a natureza do Rol da ANS, atualmente é matéria pacificada pela lei, doutrina e jurisprudência, que o rol dos procedimentos obrigatórios, editado pela ANS é exemplificativo e não taxativo.
Nesta perspectiva, se o tratamento solicitado tenha eficácia comprovada cientificamente; seja recomendado pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde (Conitec); ou recomendado por pelo menos um órgão de avaliação de tecnologias em saúde com renome internacional, não pode a operadora embasar a ausência de responsabilidade por não constar no Rol da ANS.
Não obstante tal entendimento, importante mencionar que apesar de não constar no rol da ANS o processo de redesignação sexual, é possível encontrar grande parte dos procedimentos realizados no processo (orquiectomia unilateral, colpoplastia, mastectomia, histerectomia, colpectomia, meatotomia, meatoplastia e fistulectomia), de forma isolada no rol.
Aliados a tal entendimento, o Superior Tribunal de Justiça e os Tribunais Pátrios, como podemos observar em alguns julgados abaixo:
APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO ORDINÁRIA DECLARATÓRIA DE NULIDADE C/C OBRIGAÇÃO DE FAZER E INDENIZAÇÃO – PLANO DE SAÚDE – PACIENTE TRANSGÊNERO – NEGATIVA DO PROCEDIMENTO DE MASTECTOMIA BILATERAL – ALEGAÇÃO DE PROCEDIMENTO MERAMENTE ESTÉTICO – CONCEITO AMPLO DE SAÚDE – ARGUMENTO DE QUE A DIRETRIZ DE UTILIZAÇÃO DO PROCEDIMENTO NÃO ABRANGE A REDESIGNAÇÃO DE GÊNERO – IRRELEVÂNCIA – PREVISÃO DE COBERTURA PELO PLANO DE SAÚDE PRIVADO – PARECER TÉCNICO Nº 26/2019 DA ANS – REQUISITOS MÍNIMOS OBRIGATÓRIOS PREENCHIDOS – DOCUMENTOS COLACIONADOS À INICIAL NÃO IMPUGNADOS ESPECIFICAMENTE – NEGATIVA INDEVIDA – DANOS MORAIS – INOCORRÊNCIA – SENTENÇA PARCIALMENTE REFORMADA – ÔNUS SUCUMBENCIAIS REDISTRIBUÍDOS – INAPLICABILIDADE DO ART. 85, § 11 DO CPC.RECURSO DE APELAÇÃO PARCIALMENTE PROVIDO. (TJPR – 8ª C. Cível – 0005942-31.2019.8.16.0194 – Curitiba – Rel.: DESEMBARGADOR GILBERTO FERREIRA – J. 04.07.2022) (TJ-PR – APL: 00059423120198160194 Curitiba 0005942-31.2019.8.16.0194 (Acórdão), Relator: Gilberto Ferreira, Data de Julgamento: 04/07/2022, 8ª Câmara Cível, Data de Publicação: 05/07/2022)
AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER – DEMANDA CUMULADA COM PEDIDO DE INDENIZAÇÃO DE DANOS MORAIS – PLANO DE SAÚDE – RECUSA DE COBERTURA DE CIRURGIAS DE REDESIGNAÇÃO SEXUAL E HORMONOTERAPIA – SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA PARCIAL – APELAÇÕES DE AMBAS AS PARTES – INCONTROVÉRSIA QUANTO À TRANSEXUALIDADE E QUANTO À ADEQUAÇÃO DOS PROCEDIMENTOS SOLICITADOS – RECOMENDAÇÕES DO TRATAMENTO FEITAS POR PSIQUIATRA, UROLOGISTA E PSICÓLOGOS HÁ MAIS DE 02 ANOS – AUSÊNCIA DE VEDAÇÃO CONTRATUAL – RECUSA DE COBERTURA INDEVIDA – PROCEDIMENTOS PREVISTOS NA RESOLUÇÃO ANS 465/2021 – COBERTURA ASSEGURADA NO PARECER TÉCNICO Nº 26/GEAS/GGRAS/DIPRO/2021 DA ANS – PRECEDENTES – DANOS MORAIS – PLEITO INDENIZATÓRIO INDEVIDO – SENTENÇA CONFIRMADA – RECURSOS DESPROVIDOS (TJ-SP – AC: 10215732720218260007 SP 1021573-27.2021.8.26.0007, Relator: Theodureto Camargo, Data de Julgamento: 26/08/2022, 8ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 26/08/2022)
Desta forma, resta bem demonstrada fundamentos concretos para justificar a cobertura pelo plano de saúde.
REQUISITOS PARA A COBERTURA DO PROCEDIMENTO
Importante mencionar que a ANS editou o parecer técnico 26/2019 determinando alguns requisitos para que o segurado tenha o direito ao tratamento custeado pelo plano. São eles:
- Diagnóstico de Transexualismo/transgenitalismo
- Maioridade de 18 anos
- Acompanhamento por equipe multidisciplinar por no mínimo 02 (anos)
Ademais, se no momento da contratação do plano de saúde, o beneficiário tiver informado incompatibilidade de gênero, a operadora pode prever o prazo de 24 (vinte e quatro) meses de carência a ser cumprido.
Não obstante, os requisitos acima listados podem ser relativizados em uma eventual autorização judicial, se comprovado que a condição causa risco iminente de vida (ex: pessoa acometida com depressão e potencial suicida em decorrência das angústias causadas pela incongruência de gênero).
JÁ FIZ O PROCEDIMENTO. AINDA POSSO CONSEGUIR O REEMBOLSO?
São inúmeros os casos em que beneficiários tiveram os procedimentos negados pelo plano e realizaram o procedimento arcando as suas próprias expensas.
Nestes casos, para analisar a extensão do reembolso por parte da operadora, é necessário responder os seguintes pontos: a) O beneficiário teve o pedido de cobertura negado pelo plano? b) O estabelecimento onde foram realizados os procedimentos e os profissionais que realizaram eram credenciados ao plano?
Caso as duas indagações sejam afirmativas, a operadora de saúde deverá reembolsar integralmente o segurado com todos os custos.
O reembolso apenas não será integral caso o beneficiário não tenha solicitado cobertura prévia junto ao plano e tenha feito em rede não credenciada à operadora. Nesta hipótese caberá somente o reembolso parcial previsto no contrato entre consumidor e operadora.
Por fim, importante ressaltar que o prazo para solicitar o reembolso são de 03 (três) anos a contar do pagamento.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Com o presente artigo espero ter ajudado o leitor a entender um pouco mais sobre o seu direito e evitar que seja vítima de uma ilegalidade praticada pela operadora do plano de saúde.
Com a orientação de um advogado especialista e de sua confiança, é possível contestar situações abusivas junto à operadora.
Apesar da maioria esmagadora de negativas de procedimento de redesignação sexual, a operadora de saúde não pode negar a cobertura. .
O entendimento jurisprudencial hoje é favorável ao consumidor que por muitas vezes por não saber dos seus direitos, acaba obrigado a aceitar as condutas ilícitas do plano e, por consequência, abarca o prejuízo, seja por terminar arcando do próprio bolso o procedimento, seja por abdicar do processo de redesignação.
Se ainda assim fico com alguma dúvida sobre o tema, procure um advogado de sua confiança.